quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Pra lavar o que passou

Preta
leva teu xale azul
de seda branca e azul
que vai chover
A chuva nunca pára de cantar
A chuva nunca pára de descer
E a chuva vem pequena e grandiosa
acalenta ou revira o nosso lar
E a chuva
com o seu sonho de água
vem acesa pra lavar o que passou

terça-feira, 6 de setembro de 2011

E eu não sei mais como dizer

Quero dormir para depois acordar e saber que o amanhã chegou
Quero sentir o gosto quente do álcool salivando a fumaça de meu cigarro
Quero ser uma caldeira fervente
labaredas lambendo seu rosto
Quero que o vinho me esquente
o vinho que corre pelo seu corpo
Quero que o dia acabe para que o amanhã me alcance
Quero ter a confirmação que tudo mudou
Quero saber amanhã a cor do seus olhos
se seus lábios ainda são quentes
Que o vento bata e leve tudo o que ficou 
mas deveria ter morrido
Que o vento bata e traga tudo que eu amo
o perfume de tua camisa

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

E agora eu me derramo

Escrevo porque estou com essa vontade de chorar
Meus olhos estão secos há muito tempo não chove
Sinto ciúmes dela porque sei que já não é mais a mesma
E eu fico aqui nessa casa solitária
estou precisando arrumar meu quarto
O calor está insuportável
tirei o dia de folga, mas não consigo ler
todos os trabalhos estão atrasados
Me sinto só
tem um mundo ao redor que eu não consigo adentrar
Estou fechado e perdi as chaves
Me abrir, transbordar
Tenho vergonha das minhas fraquezas
Eu sozinho já não me basto, é inútil insistir
já não consigo me convencer de mim mesmo
Tenho vergonha desse meu corpo
tenho vergonha dessa minha alma
Está tudo sem forma, preciso me organizar
como a este quarto sem flores
Tenho ciúmes dela porque é bela
Mais bela e mais forte agora que eu a abandonei
ela não precisa mais de um pai, não precisa que eu segure sua mão
O meu trabalho está feito
deveria estar contente
Mas agora me sinto incompleto
era a sua mão que me resguardava
Me fazia esquecer de mim mesmo
Era a mim mesmo que eu segurava
E ela já não é mais a mesma

A Separação

Essa noite sonhei que ela morria
e eu não sentia nada
mas acordei chorando
Desde que me enfiei nessa solidão me sinto mais forte
às vezes me sinto mais feliz
E me sinto livre, meu deus, livre
E nos meus sonhos eu sempre estou ao lado de alguém
que nunca é o mesmo
Eu tenho caminhado ruas e avenidas
Eu tenho pensado que tudo é passageiro
Eu tenho admitido a mim mesmo que eu devo aproveitar esses tempos
Outros virão
E eu não sei até quando estarei imerso em liberdade
Fragilmente entregue à essa liberdade
Preso nos grilhões da liberdade
Onde tudo é possível mas nada me acalma
E nada me alcança
Talvez sonhar em liberdade só liberta os outros de nós
E eu tenho visto as cores das folhas mais nítidas
Mas acordei chorando

domingo, 4 de setembro de 2011

E que o diabo me carregue

Noite passada eu sonhei com zumbis
Essa noite sonhei com uma mulher estranha
juro que me era familiar, mas ao acordar já não a reconhecia
Ela me tomava nos braços, fazia tudo errado
e eu querendo aproveitar aquela sensação de que já ia me esquecendo depois de tantos anos de solidão
fui-me abandonando a própria sorte
Já não sei das coisas que preciso
me acostumei com a secura do ar e essas nuvens que quase não se mexem
Às vezes tenho medo do que será de mim
quando perceber que tudo secou
e quando sentir falta da chuva
O que será de mim quando todos os sons se emudecerem

Vou acender uma vela, pintar um quadro e rezar para que o chão me engula

Um homem sem nome

"Outro desastre", dirão os jornais amanhã.
O meu retorno ainda vai enriquecer muita gente
Os tablóides são uma mina de ouro
ainda mais com desastres literários e pessoais como o meu dando sopa
Esses anos longe só me deixaram mais cansado e mais cínico
envelheci uns 30 anos
A América não é lá grandes coisas
Entre o Eu e o Tu cabem mil poemas e a única coisa que eu consegui compor foi uma tragédia
logo eu que nunca fui bom de prosa
Mas a minha paciência acabou e eu vivo de vomitar palavras
Já não sei como desenhá-las
Só as boto para fora sem nenhum rigor, nenhuma métrica
e sei lá eu o que é belo nesses dias
Sou um homem fora de moda e os antiquários não são bem vistos por aqui
deve ser por causa do cheiro
Como essa cidade mudou, tudo passou
Menos esse travo na garganta
mesmo medicado ainda sinto náuseas
deveria abandonar o café, pois este já me abandonou
desistiu de me confortar
A América realmente não vale nada
Tirou meus prazeres e minhas lágrimas
O tempo anda muito seco
essa tosse me maltrata a voz e eu ando preferindo o silêncio
Só gosto do barulho que eu não controlo, que é indiferente à minha vida ou morte
o som que eu posso tornar vivo me incomoda
E esse livro que não soube escrever
e eu dependendo de colher o pão de cada dia
Outro desastre na literatura
Manchei meu nome
Salguei minhas palavras
Me perdi no infinito das coisas que eu conhecia
Talvez me encontre naquilo que não compreendo
Francisco morreu. Preciso de um novo nome.

Não fui eu que escrevi

"E eu queria que se atirasse de um viaduto
que descesse a escada correndo
que corresse atrás de um avião decolando
e enchesse a cara e quebrasse tudo
janelas, quadros, a mesa
queria que riscasse um fósforo e explodisse a casa com um frasco de gasolina
queria que se sentasse ao meu lado e me contasse sobre o rio e seus afluentes."